Rubens Ometto sobre a concorrência desleal no biodiesel: “São os malandros de sempre”
As grandes distribuidoras de combustível pediram à ANP na semana passada para suspender temporariamente a obrigação de misturar biodiesel no diesel.
O pedido é uma reação do setor ao aumento das fraudes em distribuidoras irregulares e postos bandeira branca — que estão deixando de fazer a mistura do biodiesel no diesel e, com isso, vendendo o diesel a preços menores que os concorrentes formais.
Mas o pedido das distribuidoras gerou um desconforto no agronegócio, onde algumas lideranças tentaram caracterizar o movimento como “um ataque aos biocombustíveis.”
Rubens Ometto, o controlador e chairman da Raízen, dona dos postos Shell, diz que não é nada disso.
“O agronegócio é nosso aliado, não nosso inimigo. Sempre trabalhamos juntos e vamos continuar trabalhando,” ele disse ao Brazil Journal.
“Agora, as pessoas precisam entender que a distribuição de combustíveis séria — que paga impostos e cumpre todas as leis — nós estamos sofrendo, estamos perdendo mercado e vendas para a concorrência desleal.”
Segundo ele, as três grandes distribuidoras (Raízen, Ipiranga e Vibra) já perderam 4 pontos de market share nos últimos meses na venda de diesel — com o consumidor naturalmente migrando para os postos que conseguem vender mais barato.
“Isso dá uma perda de mais de 200 milhões de litros de diesel por mês,” disse ele.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
As distribuidoras pediram a suspensão temporária da obrigação de mistura do biodiesel no diesel, e o agronegócio disse que a medida é um ataque aos biocombustíveis. Vocês estão em campos opostos?
De forma alguma. Aqui na Cosan, a gente trabalhou muito com as entidades de classe do agro pela aprovação da Lei Combustível do Futuro, que estabeleceu novas metas de adição de biocombustíveis nos fósseis. No etanol anidro, por exemplo, a lei criou o piso de 22% e o teto de 35%, e no biodiesel se estabeleceu um piso de 13% e um teto de 27%.
Sempre apoiamos esse movimento, e nunca tivemos nenhum ponto contrário a esse crescimento da adição do biodiesel no diesel.
Até porque isso também beneficia o negócio da Raízen Energia. Também era no seu melhor interesse…
Sem dúvida. Mas o próprio Sindicom, que representa as distribuidoras, que não necessariamente tem participação nos biocombustíveis, também apoiou a coalizão. Ninguém é contra o programa do biodiesel.
O que o agronegócio não está entendendo nessa situação?
O agronegócio é nosso aliado, não nosso inimigo. Sempre trabalhamos juntos e vamos continuar trabalhando. Nós somos clientes do agronegócio.
Agora, as pessoas precisam entender que a distribuição de combustíveis séria — que paga impostos e cumpre todas as leis — nós estamos sofrendo, estamos perdendo mercado e vendas para a concorrência desleal.
Esse assunto da mistura é só mais uma faceta do mesmo problema. São os mesmos fraudadores e sonegadores que estão agindo aqui, deixando de fazer a mistura. São os malandros de sempre.
O pessoal que não mistura biodiesel no diesel é o mesmo que compra nafta e não recolhe imposto na nacionalização do combustível, transforma em gasolina e vende, que mistura água no etanol, que mistura mais etanol na gasolina, que não recolhe ICMS e PIS Cofins. É a mesma turma.
Por que o Governo não está conseguindo fiscalizar?
Para você fiscalizar a mistura de etanol anidro na gasolina, é muito simples. Você chega no posto, pega a pipeta, coloca metade de gasolina misturada com etanol e outra metade misturada com água. Com isso você já consegue ver quanto tem de etanol. É um teste simples, rápido, fácil.
No diesel, no entanto, não existe um teste simples para ver a quantidade de biodiesel. Tem que coletar uma amostra, mandar para um laboratório e esperar duas semanas para saber o percentual de biodiesel na mistura. Isso torna o controle mais desafiador.
Até tem equipamentos portáteis que permitem fazer rápido, mas eles são caros. Cada equipamento custa R$ 500 mil e a ANP tem apenas dois desses equipamentos para fiscalizar todo o Brasil.
Por que este problema está acontecendo agora?
Porque o preço da soja [usada para fazer o biodiesel] subiu. Hoje o biodiesel está mais caro que o diesel, o que gera este incentivo para os malandros não adicionarem o biodiesel, porque ele encarece a mistura.
As empresas sérias – Raízen, Vibra, Ipiranga – nós estamos perdendo a capacidade de concorrer. Vários postos bandeira branca começaram a aparecer com valores de diesel na bomba mais baratos que o nosso produto, que segue a lei e paga os impostos.
Alguém tem que olhar isso, temos que cuidar de quem paga os impostos.
Qual é o tamanho dessa concorrência desleal hoje, da não mistura?
O Instituto Combustível Legal tem um processo de investigação: ele manda um cliente disfarçado, pega a amostra e manda para o laboratório. Nessa investigação, ele começou a ver muitos postos que não estavam cumprindo. De dezembro a janeiro, o ICL fez 100 testes e 46% não estavam cumprindo as regras.
E isso foi se agravando nos últimos 60 dias, o que levou a gente a fazer o pedido de waiver na ANP.
O que estamos pedindo é a liberação de misturar o biodiesel por 90 dias para dar tempo da ANP implementar um novo modelo de fiscalização que seja abrangente, que tenha mais equipamentos, e que efetivamente torne a fiscalização eficaz.
Não me parece algo irrazoável.
E você acredita mesmo que a ANP tem condições de melhorar a fiscalização em 90 dias?
Acho que sim. E tem uma disposição grande – nossa e das outras grandes distribuidoras – de fazer a doação desses equipamentos de teste rápido, que custam R$ 500 mil. E as associações de biodiesel também já mostraram disposição de doar esses equipamentos.
E para ter mais mão de obra cobrindo os postos, a ANP pode desenvolver convênios com os Inmetro estaduais. Então tem sim como colocar rapidamente um plano para tornar essa fiscalização mais eficaz.
Quanta venda de diesel vocês já perderam?
As três grandes distribuidoras perderam 4 pontos percentuais de market share nos últimos meses, comparado com o ano passado. Isso dá uma perda de mais de 200 milhões de litros de diesel vendido por mês.
Está claro que o waiver não é contra o agro, mas não seria melhor pressionar o Governo a dobrar a aposta no combate aos sonegadores e fraudadores, já que, como você diz, “é a mesma turma”?
A gente já vem numa campanha há muito tempo contra o comércio irregular, você sabe disso. Esse pedido de waiver foi uma medida extrema depois que todas as outras foram frustradas.
A briga contra o fraudador é muito difícil. Temos algumas vitórias, mas é uma briga muito difícil. E olha, essa não deveria ser uma briga só nossa, das empresas, mas de todos os níveis de Governo, porque essas condutas irregulares são contra o País, contra a arrecadação pública e contra a lei.
O diesel foi um produto que vinha sendo preservado dessa briga. A adulteração sempre foi muito mais ligada à gasolina e ao etanol, mas agora explodiu a irregularidade neste mercado também, o que fez a gente tomar essa medida.
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