OPINIÃO. O Brasil se tornou irrelevante. Precisamos reagir

São Paulo, agosto de 2010. O Cristo acabara de decolar na capa da Economist. Eu liderava uma empresa de tecnologia quando iniciamos mais uma rodada de captação para nossa expansão. O banqueiro enviou o deck a estratégicos nos EUA e na Europa. Três multinacionais — uma americana e duas europeias — entraram no processo. Em pleno agosto, mês sagrado de férias, cinco franceses seniores aterrissaram em Guarulhos. “Jair, cette affaire est une priorité absolue”, deixou escapar um deles durante o jantar, mais solto por algumas taças de vinho. O Brasil era imprescindível. Muito relevante. O negócio fechou. Foi ótimo. Meses depois, soube que o Conselho deles havia cravado: Brasil e China eram as prioridades absolutas.

Cambridge, Massachusetts, fevereiro de 2025. Estou passando um ano nos EUA estudando políticas públicas educacionais. Trump, recém-eleito, descarta o Brasil e a América Latina com um “we don’t need them”. A frase pega fogo só na imprensa brasileira. Aqui fora, silêncio. Zero. Notícias, podcasts e fóruns como Davos giram em torno de EUA, China, Europa, Oriente Médio, e até Groenlândia e Panamá. Nem música ou futebol nos mantêm relevantes. Apenas Fernanda Torres brilha em Ainda Estou Aqui, revisitando um passado sombrio. Ah, para ser justo, fizemos há pouco a primeira página do New York Times: “Como as mães de santo estão interferindo nos relacionamentos amorosos de seus seguidores…”.

Já não sendo mais o “país do futuro”, parece que viramos o país que o presente esqueceu.

Fiz um curso fascinante semestre passado: Por que Países São Pobres, Desiguais e Voláteis, com o professor Ricardo Hausmann, do Growth Lab de Harvard. Entre Etiópia, Somália e Albânia, analisamos o caso brasileiro. Hausmann, um economista destinado ao Nobel, desenvolveu uma metodologia para entender por que um país cresce abaixo de seu potencial. Já assessorou dezenas de nações.

Em 2008, apesar de todo o otimismo com o Brasil na época, Hausmann já apontava o maior problema brasileiro que ainda nos aflige: a fragilidade fiscal.

A equação é conhecida. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias entre os países em desenvolvimento, e que se converte em investimentos públicos pouco eficientes. A escassa poupança interna acaba sendo consumida em grande parte pelo governo, reduzindo o espaço para o investimento privado. Para conter a inflação, equilibrar as contas públicas e rolar a dívida federal, os juros brasileiros são recordistas mundiais. Isso desincentiva investimentos produtivos e limita o crescimento econômico. Simples assim.

A qualidade da educação pública é outra barreira bem conhecida ao crescimento sustentável. Não consigo entender por que a elite brasileira não se revolta com a baixa qualidade oferecida aos alunos da rede pública. Talvez porque os seus filhos não passem por lá.

O resultado é uma mão de obra pouco qualificada, produtividade estagnada, e, claro, desigualdade alarmante. Estamos entre os países com menor mobilidade social do mundo. Segundo o World Economic Forum, um brasileiro leva, em média, nove gerações para sair da pobreza e chegar à classe média. Na Escandinávia, entre duas e três. Nos EUA, cinco. Um absurdo em pleno século XXI — e um terreno fértil para um possível caos social no horizonte muito próximo.

A segurança pública (ou melhor, a falta dela) completa o quadro. Será a grande pauta das próximas eleições federais e estaduais. Quantos profissionais e empresários qualificados — motores de inovação, consumo e impostos — não trocaram o Brasil por um lar mais seguro? Quantos turistas nos evitam pela fama (e fato) da violência?

As saídas estão na mesa. Sabemos o que fazer — falta quem as execute com competência e ousadia. Política fiscal responsável? Sigamos os passos de Chile, Índia e até Peru. Ou um pouco do que nossos hermanos do sul estão ensaiando — nem precisa de tudo. Melhor ainda: basta cumprir as leis fiscais que já temos, sem maquiagens.

Educação? Vivemos uma janela rara de consenso sobre o que fazer. Basta seguir o histórico paper Educação Já, do Todos pela Educação, ou os exemplos do Ceará, Espírito Santo e Piauí (e quem sabe São Paulo logo mais).

Segurança pública. O tema não nos exige ir aos extremos de El Salvador, mas podemos mirar Costa Rica, Medellín ou mesmo coisas boas que fazemos em algumas regiões no Brasil, como Goiás.

Não é preciso reinventar a roda para superar esses desafios. Basta importar o que já funciona e executar com consistência e resiliência. Isso exige líderes pragmáticos, honestos e competentes.  Três virtudes que o Brasil insiste em manter no exílio, com raras exceções.

Hoje nossa marca é a irrelevância.  

Vejo cada vez mais amigos e conhecidos desistindo do Brasil, exauridos com a realidade e perspectivas medíocres. Não podemos aceitar essa visão. 

Precisamos de indignação, resiliência e ação — sem nunca abrir mão do projeto de colocar o País no lugar que merece — para reverter este quadro.

Como sociedade, não podemos esmorecer. Escolha sua causa, reúna parceiros, defina um plano e vamos juntos resgatar a relevância brasileira.

Jair Ribeiro foi empresário dos setores financeiro e de tecnologia e é presidente da Associação Parceiros da Educação.




Jair Ribeiro




Publicar comentário