A Microsoft criou um novo estado da matéria para chips quânticos? Entenda

Se depender da Microsoft, o dia 19 de fevereiro de 2025 poderá ser considerado um marco na história da computação quântica. Nesse dia, a gigante de Redmond apresentou ao mundo o primeiro chip quântico com uma nova arquitetura de núcleo topológico, o Majorana 1.

Diferente dos chips clássicos de silício que conhecemos, o novo processador é baseado em qubits. Isso significa que, em vez de operar com bits (0 ou 1), o novo processador utiliza a unidade fundamental da computação quântica, que pode estar em uma superposição de estados, isto é, 0 e 1 ao mesmo tempo.

Mas a empresa vai além, e afirma que o chip quântico “utiliza o primeiro topocondutor do mundo, um tipo inovador de material que pode observar e controlar partículas de Majorana para produzir qubits mais confiáveis ​​e escaláveis”, segundo um comunicado à imprensa.

Apresentado como “outra fase da matéria que muitos especialistas não achavam possível”, esse material inovador pode, em tese, ser aproveitado para resolver problemas matemáticos, científicos e tecnológicos.

Teorizadas pela primeira vez em 1937 pelo físico italiano Ettore Majorana, essas partículas são um tipo especial de férmion que atua como sua própria antimatéria, ou seja, se duas delas se encontrassem, poderiam se aniquilar.

Embora jamais observados diretamente na natureza, esses supostos blocos fundamentais de matéria funcionam como se você olhasse no espelho e, em vez de ver um reflexo invertido, visse exatamente a mesma coisa.

Essa característica exótica faz dos férmions de Majorana a base teórica ideal para a criação de qubits topológicos. Na prática, a informação quântica fica espalhada entre pares de quasipartículas idênticas, tornando-se menos vulnerável a perturbações externas.

Afinal, a Microsoft criou realmente um novo estado da matéria?

Embora o termo “quarto estado da matéria”, citado pela empresa de Bill Gates, tenha uma certa base científica na física da matéria condensada, é mais uma forma de destacar a importância da descoberta de uma forma impactante.

Ao anunciar um estado até agora desconhecido da matéria, a Microsoft quis que o anúncio soasse grandioso, sugerindo um novo paradigma científico, como ocorreu em 1928, quando o plasma foi reconhecido como um estado fundamental da matéria, além dos três clássicos.

Não se trata, portanto, de sólido, líquido, gás ou plasma, mas de um novo estado emergente baseado em propriedades topológicas da matéria. A empresa menciona especificamente os tais férmions de Majorana, que mostram um comportamento exótico para criar qubits mais estáveis.

Logicamente, poderíamos questionar: mas como é que uma hipótese na física de partículas já tem aplicações concretas na computação quântica?

Quando fez sua aposta única em desenvolver qubits topológicos, há quase 20 anos, a Microsoft sabia que, no caso dos férmions de Majorana, teria que trabalhar com quasipartículas, ou seja, efeitos coletivos que se comportam como partículas dentro de certos materiais.

Nesse sentido, as quasipartículas (como fônons, polarons, magnons) não existem de forma independente no vácuo, mas surgem dentro de certos materiais, devido à interação entre seus componentes. Embora se pareçam com “ilusões”, elas se comportam como partículas reais.

No estudo publicado recentemente na revista Nature, a Microsoft confirma dois avanços importantes: a criação de quasipartículas de Majorana dentro de um material especialmente projetado e a possiblidade de ler os dados armazenados nelas, sem destruir o estado quântico.

A grande corrida da computação quântica

Indústrias privadas e governo querem construir primeiro computador quântico funcional • Gerd Altmann/Pixabay

Desde a década de 1980, cientistas têm buscado viabilizar o funcionamento de um computador quântico. O objetivo dessa máquina poderosa não é substituir os nossos computadores clássicos, mas sim resolver problemas muito específicos com seu alto poder de computação.

Para obter possíveis avanços na medicina, química, ciência de materiais e outros campos, a indústria privada e os governos ao redor do mundo estão em uma verdadeira corrida para construir o primeiro computador quântico plenamente funcional em escala real.

Mas, o primeiro passo para isso é desenvolver processadores quânticos estáveis ​​e escaláveis, os chips quânticos. Eles são compostos de muitos qubits. Estes são sistemas físicos que usam propriedades peculiares do mundo das partículas subatômicas para armazenar e processar informação.

Diferentemente da Microsoft, que aposta em qubits topológicos com férmions de Majorana, empresas como IBM, Google e Amazon estão testando qubits baseados em circuitos elétricos feitos de materiais supercondutores, com “pares de Cooper”, elétrons que não agem como partículas individuais.

IonQ e Honeywell, por sua vez, trabalham com qubits de íons aprisionados, que usam esses átomos carregados, suspensos por campos eletromagnéticos, para armazenar a informação quântica nos níveis de energias dos elétrons.

A californiana PsiQuantum pesquisa qubits baseados em fótons para utilização em comunicações quânticas, enquanto Intel e QuTech exploram qubits de silício que funcionam com base no spin de um único elétron confinado em um material semicondutor.

Na busca do chip quântico ideal, o importante não é a quantidade de qubits (tanto que a Microsoft produziu apenas oito qubits topológicos até agora), mas sim a qualidade dos qubits.

Por que é tão difícil construir um qubit de qualidade?

Chip Willow do Google Quantum IA • Google

Na busca de um “qubit lógico”, tudo que os pesquisadores conseguiram produzir foram qubits imperfeitos ou de baixa qualidade. Mas todos concordam que esse santo graal da computação quântica seria protegido contra erros e com uma fidelidade muito alta.

No ano passado, quando o Google apresentou o seu processador quântico Willow, projetado para usar qubits lógicos em vez de apenas qubits físicos, a ideia era que, aumentando o número de qubits, poderia reduzir exponencialmente o número de erros.

Seguindo o mesmo caminho, a Microsoft busca corrigir erros, porém de uma maneira menos complexa e mais eficiente com o seu Majorana 1, isso se conseguir aperfeiçoar seus qubits topológicos, afirmam diversos cientistas.

Apesar de todos esses qubits conseguirem armazenar múltiplos valores ao mesmo tempo, todos eles enfrentam uma limitação fundamental. Quando os pesquisadores tentam ler a informação que armazenam, eles sofrem uma “decoerência” e colapsam na forma do nosso conhecido bit clássico: 1 ou 0.

Em outras palavras, se você tentar ler um qubit, ele perde imediatamente o seu “superpoder”. Portanto, este é o grande problema fundamental que os pesquisadores têm que resolver: como construir um computador quântico se ele se desestabiliza cada vez que é usado?

“Ironicamente, é por isso também que precisamos de um computador quântico”, explica a especialista técnica sênior da Microsoft, Krysta Svore. Só com a máquina em escala, seria possível prever materiais com melhores propriedades, conclui a especialista em seu paradoxo.

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